Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: Arquivo/Paulo Pereira Canudo
Paulo Pereira Canudo aka “PPD”
Nasci na Ericeira – no tempo em que ainda se nascia em casa –, no nº 6 da Rua de Baixo. Vivi na Ericeira até aos seis anos, altura em que, por imperativos profissionais do meu pai, fomos viver para a Ajuda e depois para Linda-a-Velha, mas mantive sempre a ligação à Ericeira nos fins-de-semana e durante as férias.
Da primeira vez que saí de Portugal para trabalhar fui até à Austrália sozinho, nunca tinha andado de avião e foi uma aventura. Tinha acabado de fazer a tropa, teria 21 anos. Saí pela aventura e pela vontade de conhecer mundo. Fui trabalhar num navio de cruzeiro que se chamava “Pacific Princess”, na altura conhecido como love boat porque algumas partes da série “The Love Boat” (em Portugal apresentada como “O Barco do Amor”) eram filmadas a bordo deste navio. Mantive-me nesta companhia por oito anos, fazia umas férias de dois ou três meses na Ericeira e depois voltava. Posso dizer que ganhei muito dinheiro na altura, mas também o gastei todo. Conheci o mundo praticamente todo. Não perdia qualquer oportunidade, quando tínhamos intervalos de dias a bordo, de viajar pelo interior dos países, como foi o caso da China dos anos 80, ainda durante o regime Maoísta. Lembro-me de estar na Praça Tiananmen, no centro de Pequim, com montes de carroças puxadas a bois e milhares de bicicletas encostadas umas às outras. Fazia-me imensa confusão como eles conseguiam distinguir a sua bicicleta entre tantos milhares.
Depois de sair dos navios de cruzeiro trabalhei no Turquemenistão, numa empresa portuguesa chamada Catermar, em que um dos directores era um ericeirense de gema (António Mano Silva, actual presidente do Grupo Desportivo União Ericeirense ) que me convidou para trabalhar com eles como supervisor de campos na área do catering. Cabia-me controlar todos os víveres de um hotel que a companhia explorava em Ashkabad, a capital do país, e de três explorações de gás natural espalhadas pelo deserto e pelo Mar Cáspio, assim como admitir pessoal local para trabalhar nas cozinhas e na limpeza dos campos. Esta companhia já não existe, mas na altura era das maiores companhias do mundo a explorar catering em plataformas de petróleo. Através desta empresa, trabalhei ainda durante três anos em Aberdeen, na Escócia, em Douala (nos Camarões) e na Sibéria.
Vim para o Reino Unido há cinco anos com duas malas na mão à procura de trabalho, já que a minha vida estava de pernas para o ar por erros pessoais de gestão e pela conjuntura tanto do país como do turismo na vila da Ericeira. Vivi um ano na zona de Brighton em quartos alugados e trabalhei cerca de um ano e meio numa companhia de restaurantes Italianos. Fui empregado de mesa durante dois meses e depois tornei-me gerente de um dos restaurantes por mais um ano, altura em que decidi mudar-me pra Londres, onde surgiu uma oportunidade de trabalho como empregado de mesa num dos restaurantes mais famosos de Londres (La Famiglia, em Chelsea). onde me mantenho ate hoje. O que mais gosto em Inglaterra é o facto de aqui não haver a corrupção que existe no meu país. O reverso da medalha será o frio no Inverno, que aqui é muito longo. Nunca me conseguirei habituar a isto por causa do frio.
Continuo a regressar à Ericeira com regularidade, a última vez que estive aí foi em Março deste ano. Faço sempre férias intervaladas, de seis em seis meses, e todos os anos vou uma vez à Ericeira e outra vez ao Rio de Janeiro. A primeira coisa que faço quando regresso à Ericeira é rever a pouca família que me resta – a minha filha e os meus primos –, em segundo lugar procuro comer muito peixe fresco, que aqui não existe tanto, e depois fazer um abastecimento cultural para ano seguinte: comprar livros, ir ao teatro, etc.
Sinto saudades do contacto físico com as pessoas mais próximas, mas não sinto falta de muitas mais coisas por estar longe da Ericeira. Agora, com as novas tecnologias, o mundo está todo muito perto. Eu vivo fora mas vivo em Portugal à mesma. Tenho a TV cabo portuguesa, antes de começar a trabalhar bebo um descafeinado e como um pastel de nata, mesmo ao pé do trabalho. Basicamente, estou em Portugal. Ah! Estava a esquecer-me… sinto muito a falta do contacto com o mar… o cheiro da maresia da Ericeira é único!!! Sinceramente, a vontade de regressar a Portugal não é muita e não penso voltar nos tempos mais próximos, pela conjuntura do país e pela sociedade em geral. Mas gostaria de voltar e de morrer na minha terra ao lado dos meus.
O Grupo “Figuras Castiças da Ericeira” que criei no facebook poderia ter sido criado em qualquer ponto do globo por qualquer pessoa como eu, que viveu e ouviu muitas histórias pitorescas passadas na sua terra por figuras emblemáticas e sui generis de um povo com uma cultura muito própria. Com a Ericeira a sofrer tantas levas migratórias de pessoas que vêm de outros pontos do país para viver aqui, o carisma da vila está-se a perder e os mais novos também estão a perder esse carisma. Criei a página com o intuito de passar um pouco dessa vivência e dessa história às gerações mais novas. Se não formos nós a lembrarmos aos mais novos quem foi o “Papum” e o que fazia, quem foi o Raúl Duarte Gomes, como se vivia na época, quem será que o fará? Tudo isso é importante e corremos o risco de em duas décadas tudo se perder da memória.
– Queres deixar alguma mensagem para os primos da Ericeira?
Me esperem que eu volto!
És da Ericeira e estás a viver fora de Portugal? Se quiseres partilhar a tua história, envia mail para info@ericeiramag.pt
Texto: Hugo Rocha Pereira
Fotografia: Arquivo/Paulo Pereira Canudo
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