Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografias: DR
O Ciclo de Conferências Surf e Performance, promovido pela Universidade Lusófona desde Fevereiro, termina este mês após abordar várias temáticas relacionadas com o surf e as suas estruturas. Hoje à tarde, na penúltima sessão, debate-se a importância dos media no surf. Entre o painel de oradores destaca-se João Valente: quem melhor do que o director da revista Surf Portugal para nos ajudar a reflectir sobre esta matéria através duma entrevista? E talvez muitos não o saibam, mas a “Bíblia do surf português”, que comemorou um quarto de século de existência em 2012, faz de Ribamar a sua base nos últimos anos.
Como é que encaras este interesse do mundo académico pelo surf?
Na verdade, estes encontros nasceram de uma conversa que tive com o Sandro Maximiliano [n.d.r.: organizador deste ciclo de conferências] no ano passado, durante a qual falámos sobre a possibilidade de se começarem a organizar conferências sobre o surf no espaço académico. A ideia inicial era trazer algumas figuras internacionais do surf para partilharem as experiências nos seus respectivos campos de actividade, o que poderá ser de grande importância e pertinência neste momento em que o surf está a adquirir um peso inédito na sociedade portuguesa. Entretanto, o “Sandrinho”, com a sua reconhecida pro-actividade, resolveu iniciar o debate do surf no meio académico noutro formato igualmente válido, com a vantagem adicional de dar visibilidade aos players nacionais das mais diversas áreas. Considero que a discussão do surf no meio académico, que continua sempre a ser o espaço público por excelência de discussão de ideias na sociedade, se reveste de grande importância, principalmente numa altura em que tanta gente olha para esta actividade como uma via profissional. Nada como ter gente com experiência para confrontar o lado teoricamente idealista do meio estudantil, originando uma troca de visões onde ambas as partes terão algo a ganhar.
A importância dos media só tem vindo a aumentar.
A importância dos media no surf tem mudado muito ao longo das últimas décadas?
Acho que a importância dos media só tem vindo a aumentar. O formato em que essa importância se materializa é que está a sofrer profundas alterações, uma vez que os canais de comunicação entre o público e os agentes de comunicação do desporto estão hoje em dia mais abertos do que nunca. Todos se tornaram emissores e receptores de informação, obrigando os media tradicionais a adaptarem-se a uma nova realidade. Se para melhor ou pior, ainda estamos para ver. Na minha visão optimista, se olharmos para o grande quadro, acredito que as evoluções, a serem consideradas como tal, são sempre para melhor, o que não quer dizer que não haja dores de crescimento. As vias de comunicação estão abertas mas, por enquanto, tenho dúvidas se isso terá contribuído para um maior conhecimento de facto. Acho que nesta primeira fase, há muita coisa que se perde, principalmente através do imediatismo da informação, que não deixa espaço para a sempre necessária reflexão antes de se emitirem julgamentos. Aliás, nas redes sociais, por exemplo, o normal é os dados surgirem logo como julgamentos de uma determinada situação, com as pessoas todas a emitirem as suas opiniões sobre situações que nem sequer são verdadeiras à nascença, e isso é perigoso. Por outro lado, julgo que é exactamente nestas falhas de sistema que os media tradicionais ainda têm um papel a cumprir, no sentido de mediarem as notícias, providenciando os vários ângulos da informação e de fomentarem uma discussão pública baseada em dados concretos e não em “postas de pescada”, como muitas vezes acontece.
Numa altura em que o surf é um fenómeno transversal à sociedade, supostamente os media especializados deveriam ver o seu público-alvo aumentar. É isto que tem sucedido?
De certa forma, sim, mas não de uma maneira que beneficie directamente a situação financeira dessas empresas. Por exemplo, hoje estamos a caminho dos 100 mil seguidores na nossa página de Facebook. O crescimento é 100% orgânico, sem compra de likes ou de tráfego, somente utilizando as ferramentas ao nosso dispor. E o nosso website é visitado em média por mais de 50.000 utilizadores únicos por mês. Isto são números que nunca sonharíamos atingir há uma década. No entanto, é muito difícil capitalizar essa audiência em investimento financeiro, pois é um público que se habitou a obter informação gratuitamente, o que cria um círculo vicioso, pois sem investimento não conseguimos produzir conteúdo exclusivo de qualidade diferencial que faça o público decidir que vale a pena pagar para aceder, principalmente num meio saturado de informação gratuita como o nosso. Enfim, é mais um elemento dos paradoxos criados pela recente explosão do surf.
Os media generalistas estão mais atentos ao surf do que nunca. Isso constitui um desafio ou uma oportunidade para os media especializados?
Todas as oportunidades arrastam consigo alguns desafios, em maior ou menor escala. Sem dúvida que em números absolutos nunca poderemos competir com meios generalistas em termos de alcance, mas, por outro lado, temos uma enorme vantagem quando se trata de atingir um público específico, que procura um tipo de informação mais aprofundada e não voltada exclusivamente para um único aspecto do surf, normalmente o económico ou desportivo, que são normalmente as abordagens dos meios generalistas. Neste momento de vacas magras no mercado publicitário, o mais complicado desta concorrência é a captação dos grandes anunciantes, que julgam atingir o público específico do surf através dos meios generalistas que acompanham de modo mais ou menos regular. Aliás, não se tenham dúvidas: a única razão que leva os meios generalistas a pegar na matéria do surf é o interesse comercial. Se não houvesse empresas como a PT ou a EDP envolvidas no surf, o interesse desses meios seria muito mais reduzido. Ou seja, embora haja sempre algum interesse comercial do lado dos especializados, o que nos move não é isso. No caso dos generalistas é exactamente o contrário: embora possa ver algum envolvimento emocional por parte daqueles que fazem a cobertura do surf para esses meios, não é isso que os move. Essa é a diferença fundamental e o nosso grande valor, para além de um conhecimento profundo do tema.
Actualmente o papel dos media especializados passará muito pelo que os distingue dos generalistas…
É como respondi na questão anterior: Por um lado, a amplitude da abordagem que fazemos ao surf, que não se coaduna com a política editorial de um meio generalista. Por outro, o reconhecimento, por parte de quem está de facto envolvido nesta actividade, de que a informação veiculada pelos generalistas, embora possa trazer novas abordagens e visões sobre este mundo, nunca será capaz de preencher as necessidades de alguém que seja algo mais que um mero curioso. Julgo haver espaço para todos, embora, como também já disse, isso torne a competição pelo grande mercado publicitário mais complicada, sobretudo nesta fase em que a indústria do meio atravessa um momento menos bom. Mas, em termos de audiência, acho que o interesse dos generalistas só vai beneficiar os especializados, pois pode potenciar o crescimento do nosso público-alvo.
Embora possa ver algum envolvimento emocional por parte daqueles que fazem a cobertura do surf para os meios generalistas, não é isso que os move.
A afirmação do surf nos media generalistas e na sociedade tem passado, em boa medida, pelo seu papel na dinamização económica e promoção turística nacional. Isto merece-te alguma reflexão?
Como também já disse, está directamente relacionado. O surf, como matéria de facto, e excetuando o elemento das ondas gigantes, que carregam consigo o sempre irresistível apelo dos faits divers, não tem grande interesse para os meios generalistas, a não ser quando começa a gerar receitas publicitárias. O surf tem sido promovido, e bem, como uma importante alavanca económica por conta do turismo (tanto interno como externo) a ele associado, o que desperta interesses dos agentes económicos, o que, por sua vez, desperta o interesse dos media. É tão simples quanto isso. Não adianta pensar que as prioridades dos editores de desporto e lifestyle dos grandes media subitamente se voltaram para o surf porque viram aqui um grande potenciador de audiências. Não é assim.
Há um par de anos, a Surf Portugal mudou-se para Ribamar e tu para a Ericeira. A perspectiva sobre o mundo das ondas é diferente a partir daqui?
Nem por isso. Sem dúvida que torna o dia-a-dia de quem faz a revista mais agradável porque estamos próximos de algumas das melhores ondas do país e também porque a Ericeira é sede de algumas das grandes empresas que actuam neste meio. Mas não diria que muda a perspectiva, pelo menos não para mim, que muito antes de cá viver já vinha para cá regularmente, de tal forma que isto era quase como uma segunda casa. É claro que todas as regiões têm as suas particularidades e pequenas diferenças na forma de viverem este estilo de vida, mas não diria que para alguém que trabalha com media e que, por isso, deve ter sempre uma visão abrangente do fenómeno, isso mude a perspectiva. Talvez aqui haja uma perspectiva menos congestionada do que nas praias à volta de Lisboa, por causa do crowd (risos).