Memórias da Ericeira nas palavras de Paula Rego

 

Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: Arquivo Família Rego

 

A Quinta da Ribeira da Baleia, que o meu avô fez, foi muito importante na minha infância. Nunca me hei-de esquecer na minha vida: Esse sítio que já não existe. (sic)

 

Palavras simples, carregadas de memórias eternas, que Paula Rego fez chegar à AZUL-Ericeira Mag.

Foi em meados de Maio que a pintora que viveu na Ericeira durante largos anos, e em diferentes épocas, nos enviou esta mensagem. Na verdade, trata-se da única resposta que obtivemos a um conjunto de perguntas que enviámos à pintora através do seu filho, Nick Willing, com quem a AZUL manteve uma longa conversa em Abril a propósito do seu documentário “Paula Rego: Histórias e Segredos”. O número de perguntas era reduzido – sê-lo ia sempre perante a nossa incessante curiosidade em saber mais sobre a vincada relação de Paula Rego com a Ericeira –, embora remetessem para uma viagem pelo passado que, à partida, se afigurava pesarosa para a icónica pintora portuguesa. Afinal, os laços afectivos de Paula Rego à Ericeira são de alegria e aprendizagem, mas também estão repletos de melancolia e dor, como o próprio Nick Willing sublinhou. “Não creio que ela queira falar sobre a Ericeira. As memórias da perda da Quinta [Ribeira da Baleia ou Figueiroa Rego] ainda são muito dolorosas.”

As curtas palavras de Paula Rego são explícitas quanto aos sentimentos que a artista nutre pela Ericeira, e em particular pela inspiradora e vasta Quinta da Ribeira da Baleia, ou Figueiroa Rego, como é conhecida. “Nunca me hei-de esquecer na minha vida”, garante a pintora sobre a histórica edificação que ainda hoje permanece hirta, embora sobejamente esquecida, na paisagem jagoz. Por entre a colecção de memórias da vila, Paula Rego guarda bem presentes os tempos em que viveu na Quinta com os avós quando ainda era criança; as manhãs na praia de Mil Regos (hoje conhecida por Empa), mais tarde, com o marido e os filhos; o convívio com os locais no desaparecido café Xico; e as noites de dança e festa na discoteca Ouriço. Recordações felizes e enternecedoras que contrastam com os momentos de isolamento, como quando se encerrava na adega da Quinta onde mantinha o estúdio; com as histórias de desespero das mulheres dos pescadores; e – qual golpe impiedoso – com a traumática perda da Quinta.

Ainda que se manifestem subtilmente no traço de Paula Rego, são fragmentos de memória como estes que encontramos profusamente representados na obra da pintora, que confidencia mesmo no documentário realizado pelo filho que, a cada nova tela, regressa a um lugar que conheceu quando era pequena. Esse lugar, confirmou-nos Nick Willing, é sem sombra de dúvida a Ericeira, terra que Paula Rego revisita no seu imaginário a cada novo fôlego artístico.

Nick Willing já nos garantira também que “a Ericeira é a memória mais forte que Paula Rego retém da sua vida“. Testemunho de que a vila habita desde sempre – e para sempre – no âmago da mais relevante e brilhante pintora contemporânea portuguesa.