Maconsul

Maconsul. - ph. AZUL

 

Texto: Paulo Galvão | Fotografia: AZUL e João Maria Jorge

 

No início dos anos 1970 abria na Rua da Fonte do Cabo a Maconsul, com gerência de António Fortunato e Eva Maria. Tratava-se de uma conhecida drogaria que viria a ser emblemática na vila da Ericeira durante quase 40 anos e onde era possível comprar desde ratoeiras a sabão azul e branco. O negócio, entretanto, deixou de ser rentável e acabaria por fechar as portas. Esse património, que era arrendado, foi adquirido em parceria com um construtor civil. Recuperou-se o edifício, e hoje, no mesmo n.º 54 da Rua da Fonte do Cabo, a velhinha drogaria dá lugar ao bar com o mesmo nome, prestes a assinalar o 1º aniversário, e que também é conhecido como o bar das cadeiras esquisitas. Em entrevista à AZUL, o proprietário, João Fortunato, fala da aventura de se lançar no seu próprio negócio em tempos de crise e do retorno que tem tido de turistas e de locais.

Acordaste numa manhã e pensaste: “vou abrir um bar”?

Não, foi por acidente. Houve uma altura em que pensei arrendar a loja. No entanto, apesar das propostas que me iam chegando, nenhuma mereceu a minha confiança, os valores propostos não eram aliciantes e, portanto, meti mãos à obra e avancei com um negócio. Fui empurrado pela crise.

E sabias exactamente o que querias?

Sempre tive a ideia de montar uma casa de tapas, sem cozinha. Ou seja, a ideia base sempre foi conseguir vender comida sem que fosse necessária a burocracia dos licenciamentos. E pronto, hoje, queijo, enchidos ou gambas cozidas são alguns dos petiscos que temos no bar.

Maconsul. - ph. AZUL

Maconsul. - ph. AZUL

E como é que surge toda esta decoração invulgar?

Por necessidade. O que pensei foi que, apesar de estar no centro da vila da Ericeira, estou um pouco mais escondido, e que se tivesse mesas de plástico não iria causar impacto nenhum em quem passava. Iria ser mais um. Decidi então fazer as minhas próprias cadeiras. Tentei ser diferente, com melhor ou pior gosto. Apostei nas madeiras, na reciclagem e num termo que gosto de utilizar: extravazótico, um mix de extravagante e exótico. A ideia é sempre marcar a diferença, e com isto digo que nunca irei decorar o bar com fotografias ou postais, por exemplo.

 

E de quem foi a ideia das cadeiras esquisitas?

Foi tudo feito pelo meu primo, “Quim Zé” Casado (ex-Presidente da Junta de Freguesia da Ericeira), mas pensado também por mim e pelos meus amigos Nuno e Ricardo. Mas foi o meu primo o grande arquitecto. É ele que vai sempre buscar material reciclado para trabalhar, sempre de uma forma original.

Está a haver uma partilha de recursos como nunca existiu e esse espírito de entreajuda não era nada comum na Ericeira.

E o objectivo inicial do bar não passar despercebido foi conseguido, muito por culpa das cadeiras…

Claro! De cada vez que vem uma nova cadeira, as pessoas passam, muitas delas entram, sacam do telemóvel ou da máquina fotográfica e tiram fotos. Por vezes pedem-me para ser eu a fotografar e também tiram selfies, mas no fim há sempre um certo riso.

 

Quais são as cadeiras mais fotografadas?

A “Angela Merkel” está a fazer muito sucesso, mas a mais fotografada é a dos cornos. Os casais divertem-se muito com estas coisas. As mulheres geralmente pedem aos maridos para se sentarem, e vice-versa, e depois metem as fotos no Facebook. Enfim, só para os latinos é que o simbolismo desta cadeira se traduz em infidelidade. Pelo contrário, para os nórdicos é sinal de virilidade e, portanto, são sempre feitas abordagens diferentes.

 

Quem são os clientes do Maconsul?

Como sou de cá, não sou propriamente um bar turístico, ou seja, cada vez tenho mais turistas, mas são os locais que mais têm frequentado o Maconsul. Mas o turista aqui sente-se em casa, porque eu também gosto muito de falar, gosto de saber de onde vêm, porque vêm, ajudo-os com dicas sobre a Ericeira, eles ficam conquistados e já começaram a voltar.

Maconsul. - ph. AZUL
Esse é um trunfo para contornar o facto do bar estar numa rua um pouco mais escondida?

Claro, mas há outros: também sirvo de sala de espera dos restaurantes aqui à volta, e se os clientes estiverem a meio de um gin quando são chamados para jantar, podem levar o copo sem problema nenhum. Esse ambiente descontraído é muito importante para quem nos visita.

 

O que é que está a mudar na oferta de serviços aos turistas?

Acredito que a minha geração. que está agora a tomar conta dos negócios, tem hoje de trabalhar mais e de se esforçar mais. Tem de ter mais atenção com a decoração, com a formação, com o atendimento e com a higiene. O tempo de abrir uma casa, ter quatro paredes e um barril de imperial já lá vai. E no caso da Ericeira há ainda um facto relevante: está a haver uma partilha de recursos como nunca existiu, e esse espírito de entre-ajuda não era nada comum na Ericeira.

 

E por que é que mudou esse paradigma?

Foi a necessidade. A crise fez mudar muita coisa na cabeça das pessoas. O meu vizinho vem cá hoje pedir-me hortelã, amanhã preciso que ele me empreste gelo.

 

E a relação entre a diversão nocturna e os moradores?

Neste quarteirão somos nós que asseguramos a limpeza da rua. Não quer dizer que a Junta de Freguesia não o faça também, mas temos essa preocupação. Por outro lado, tenho encontrado um equilíbrio com a vizinhança porque não há excesso de barulho. A licença foi entretanto alargada para as três da manhã e eu, uma hora antes, retiro a esplanada. Enfim, o bom senso dá sempre bons resultados.

 

E em relação à autarquia? Qual tem sido a postura relativamente aos comerciantes da Ericeira?

Abertura e apoio total. Desde que mudou o executivo nas últimas eleições autárquicas que é frequente ver os vereadores pelas ruas da vila a perguntar se está tudo bem. O próprio Presidente tem superado as expectativas, sempre interessado em saber o que se passa e se há algum problema. É inédito e a Câmara tem ajudado, nem tem criado obstáculos, mas mesmo assim acho que vai ser preciso mais investimento e eventos de maior envergadura e mais mediáticos, que chamem cada vez mais gente à Ericeira.

Maconsul. - ph. João Maria Jorge

A antiga drogaria – ph. João Maria Jorge