Texto: Diogo Milho e Hugo Rocha Pereira | Fotografia: arquivo pessoal António Raminhos
António Raminhos, um dos mais célebres humoristas portugueses da actualidade, reside há alguns anos numa aldeia (ou lugar, como o próprio refere) nos arredores de Mafra. Sente-se bem no campo e também junto ao mar, na Ericeira, onde passa bastante tempo, seja dentro de água ou em terra firme: é possível encontrá-lo a trabalhar em locais pouco ortodoxos e, principalmente, a degustar croissants na Pastelaria Saloia, na zona Norte da vila. Nesta conversa bem disposta fala-se de tudo isto e de muito mais, do jornalismo às suas Marias, passando pelo desporto e a sua carreira.
Onde moras actualmente? O que te fez mudar para esta região?
Moro em Mafra, numa aldeiazita. Nem é bem aldeia, é mais um lugar. A minha família é do Alentejo e a da minha mulher é da Lousã. Já vivemos no Samouco, também meio mais pequeno, depois fomos para Lisboa e resolvemos voltar ao campo… porque é aí que nos sentimos bem! Entre várias buscas acabámos por decidir por aqui. É sossegado, não há vizinhos na vertical, pelo que as miúdas podem gritar à vontade… e a minha mulher também.
as miúdas podem gritar à vontade… e a minha mulher também.
O que mais te atrai na Ericeira? Em que te identificas com a vila?
A Ericeira é já um lifestyle. E a vantagem de viver por aqui é que, quando trabalho por casa, parece sempre que estou de férias! E dá para ir ver o mar, surfar, apreciar o Sol ou até dormir no parque de estacionamento. Como já fiz, a ouvir o mar.
A Pastelaria Saloia é mais um ritual ou um escritório?
Tal como há os velhos que vão para a tasca beber um copo de três, eu vou para a Saloia comer um croissant! Tem os melhores croissants e merendas da Ericeira. Até já consegui que a Cristina Ferreira lá fosse. É outro género de vício. Agora como menos, não se acumula no fígado como o vinho, mas na banha. E depois dá para saber a vida de toda a gente graças às velhotas que por lá passam. É espetacular.
Já me aconteceu fazer a dobradinha. Comer croissant e merenda!
Tens ideia de quantas merendas mistas já lá comeste? Ou a principal tentação é outra?
A minha é sempre o croissant… as minhas filhas é que vão mais para as merendas. Já me aconteceu fazer a dobradinha. Comer croissant e merenda!
Por falar em escritório, também já é possível apanhar-te a trabalhar dentro do carro com vista para o mar – qual foi o local menos ortodoxo em que já estudaste textos ou trocaste e-mails de trabalho?
O carro, no parque de estacionamento, é mesmo o local assim mais estranho onde fico uma horita ou duas a trabalhar. Tenho um amigo comediante bem pior. O Pedro Miguel Ribeiro, que já chegou ao cúmulo de estarmos ao largo do Atlântico, na Madeira, num catamaran, a ver golfinhos e quando olho para o lado está ele agarrado ao computador com um teclado portátil, que era maior do que computador e o barco aos pinotes.
Sempre que posso vou surfar
O teu primeiro trabalho foi como treinador de voleibol ao serviço da Câmara Municipal de Lisboa. O desporto continua a ser importante na tua vida?
Foi até aos 18 ou 19 nos, depois conheci o álcool e o sexo feminino e deixou de ser… e depois casei e voltou a ser importante. Na verdade, basicamente deixei de arranjar desculpas e voltei a fazer o que mais gostava, que era jogar basket e voltar aos desportos de combate, que pratiquei numa grande parte da minha juventude.
Já tiveste algumas aulas de surf na Ericeira. Como foi essa experiência? Ficaste com o “bichinho” das ondas e continuas a surfar regularmente?
Eu fiz bodyboard na adolescência e vendi as minhas pranchas, uma Match 7-7 e uma Wave Rebel, para comprar uma de surf… que na altura não chegou a acontecer porque investi o dinheiro na carta de condução. Ficou sempre essa vontade que, graças ao ‘Papu’ [ndr: Joel Pereira] e ao Activity Surf Center se tornou realidade. Sempre que posso vou surfar… tentar começar a fazer “algumas coisas” dentro de água. Fico lixado quando não consigo, tenho de aprender a relaxar mais, porque o surf também é sobre isso… e li uma vez algo que nunca mais esqueci: “o melhor surfista é aquele que está a divertir-se mais.”
Foi graças ao mundo do desemprego que fui para a comédia.
Do jornalismo saltaste para a comédia. A que se deveu essa mudança radical?
Foi um saltinho! Do jornalismo à comédia é um saltinho só. Foi graças ao mundo do desemprego que fui para a comédia. O jornal onde trabalhava fechou, fiquei com mais tempo livre, passei a ver e a ler muito sobre comédia e resolvi experimentar. Correu bem e pensei “bom se é para ganhar mal, que seja ao menos a fazer algo que gosto mais” e durante uns tempos foi complicado, mas ainda cá estou… com mais ou menos críticas e dores de cabeça.
Como ex-jornalista, qual é a importância que atribuis aos projectos locais e/ou regionais?
Eu colaborei com projectos regionais e locais. Rádio e imprensa. Achava muita piada, principalmente na rádio. Acho que são às vezes até mais importantes que os nacionais e que deviam ser mais valorizados e apoiados.
Onde te sentes mais realizado: como apresentador, humorista ou actor?
Sei lá! Pergunta difícil. Sou uma pessoa que não faz grandes festas em cada projecto que está. Fico sempre à espera que alguma coisa corra mal! Já fiz coisas que gostei muito como apresentador, como actor e como comediante. Mas a comédia é sempre a base.
Todos nós temos comédia na nossa vida
A comédia pode ser encarada como uma maneira diferente de ver o mundo?
Todos nós temos comédia na nossa vida e todos temos capacidade para fazer comédia com algo na nossa vida. A diferença é que quem faz comédia está focado nesses momentos. Em guardá-los e explorá-los e quem não faz olha, ri-se e passa. É como alguém que está à procura de ouro e outro que está só ali a olhar para os calhaus.
Filmes só faço em casa e esses não posso mostrar aqui.
Após o êxito do espectáculo “As Marias”, agora lançaste um manual de parentalidade muito especial com o mesmo nome: para quando o reality show ou o filme?
[risos] Acho que não! Mas um reality show tipo as Kardashians era bom. As Kardashians, mas em Mafra na aldeia. Em vez de andarem de Porsche andavam de burro. Olha, se calhar assim até tem potencial. Filmes só faço em casa e esses não posso mostrar aqui.As tuas Marias ensinam muitas coisas que o Dr. Raminhos desconhecia?
Ensinam. Todas as crianças ensinam. É só estarmos atentos, mas grande parte das vezes estamos mais preocupados em mandá-las comer, sentar, vestir, despir, tomar banho… ensinam sobretudo a tentar ganhar paciência e a relativizar os problemas.
Queres deixar alguma mensagem final para os leitores da AZUL?
Não encham tanto a Pastelaria Saloia, que às vezes vou lá e aquilo é uma confusão do catano e nem consigo sentar as miúdas. Depois é como os cães e têm de ficar à porta.