A concessão da família Caseiro

Praia do Sul. - ph. Ricardo Miguel Vieira

 

Fotografia: Ricardo Miguel Vieira

 

A época balnear terminou no início da semana e as praias da Ericeira estão despidas. Os areais são agora ocupados por uma mão cheia de visitantes, que ainda aproveitam as ondas para praticar surf, gaivotas e silêncio. Os postos-de-praia já foram armazenados, os nadadores-salvadores arrumaram as bóias e os guarda-sóis de palha e barraquinhas de tecido para aluguer já regressaram ao estaleiro. É o caso da mais mítica concessão de aluguer de sombra e corta-vento da Ericeira: o da praia do Sul.

Carlos Caseiro, 61 anos, é hoje o responsável pela actividade. Não há apelido que distinga o negócio, mas trata-se da faixa de 150m2 da praia do Sul ocupada por um colorido jagoz: o azul e o branco. É assim desde os idos de 1920, altura em que a bisavó da esposa inaugurou a actividade na praia da Baleia. “Isto começou derivado às pessoas gostarem da praia do Sul”, conta o antigo marinheiro da Marinha Mercante. “Tinham cá casa e vinham para esta praia por causa do iodo do mar e depois começaram a alugar barraquinhas junto à Baleia, até que o negócio se expandiu.” A partir desse momento, surgiram novas concessões do género. Na segunda metade do século XX, a praia da Baleia começou a desaparecer devido às tempestades que levaram a areia de norte para sul da praia e os postos começaram a operar naquela zona. Ao mesmo tempo, e devido ao crescimento da actividade, formou-se uma sociedade de cinco pessoas para a gestão do negócio de toldos e barracas, parceria que se mantém até ao presente.

A concessão dos Caseiro está activa todos os anos entre 15 de Junho e 15 de Setembro. Os dias começam bem cedo, às sete da manhã, altura em que se montam as barracas, se esticam toldos e se colocam as cadeiras de cada uma das cabanas no devido lugar. Daí até às sete da tarde, o dia passa entre jogos de cartas, alugueres aos visitantes e conversas com históricas famílias da praia, como os Pádua, Fialhos, Miguéis, Soares dos Santos, Quintela, entre tantos outros. Quando o Sol se começa a esconder abaixo da linha do horizonte, dá-se início ao desmantelar da concessão, que será reerguida na manhã seguinte.

Praia do Sul. - ph. Ricardo Miguel Vieira
Praia do Sul. - ph. Ricardo Miguel Vieira
Praia do Sul. - ph. Ricardo Miguel Vieira

A actividade ficou sempre em família. Depois da bisavó da esposa, veio o sogro e, desde há cinco anos, passou para a sua responsabilidade. Mas Carlos Caseiro, que durante o Inverno é ajudante no porto de pesca da Ericeira, já anda de volta dos alugueres desde meados dos anos 1980, mantendo a herança na família e preservando uma mais-valia cultural da Ericeira. “É uma tradição de pais para filhos e filhos para pais e é triste a gente deixar isto. As pessoas pedem-nos para ficar com isto porque é triste deixar desaparecer.” O filho, Miguel Caseiro, é o próximo na linhagem, pelo que já ajuda ao negócio nas horas vagas.

A concessão azul e branca da praia do Sul é a mais tradicional e antiga do género na vila, mas não é a única. Mesmo ao lado, semelhante negócio distingue-se pelo vermelho e branco e depois há as actividades mais modernas, como na Foz do Lizandro ou Ribeira d’Ilhas, com toldos de palha e espreguiçadeiras de plástico. Contudo, para Carlos Caseiro, é importante preservar a tradição das barracas emadeiradas e de tecidos antigos, sob pena de a Ericeira ver desaparecer as pequenas actividades que ainda a caracterizam. “Há uma autenticidade nisto, há outra atracção e as pessoas dizem mesmo que fica mais bonito assim. Não tem piada chegarem aqui as famílias e verem chapéus de côco. Isso também não torna a praia gira.”

Entre o presente e o passado, Carlos Caseiro não encontra diferenças para além da extensão da praia. O Inverno é sempre uma incógnita, pelo que tanto pode desaparecer areia como pode até haver mais. Assim, quando lhe perguntamos quanto tempo mais vai a actividade durar exactamente nestes moldes, a dúvida persiste. “A gente nunca sabe o que vai encontrar no Verão. Isto depende das areias. Se a areia sair, o mar galga e não há espaço. Antigamente, como havia muita areia, o mar não chegava aqui.” E remata: “À minha geração já não vai fazer diferença.” Fará à próxima?