Rodrigo Leão: “Para mim é importante inovar de alguma forma”

 

Texto: Henrique Claudino | Fotografia: AZUL

 

Rodrigo Leão nasceu em 1964 e é um galardoado músico e compositor. Com perto de cinco décadas nos holofotes do ecossistema musical, quer a nível nacional como internacional, já colaborou com vultos como Beth Gibbons (Portishead) e Adriana Calcanhoto. Foi co-fundador da 7ª Legião e de Madredeus. Compôs bandas-sonoras para mais de 14 produções cinematográficas, entre elas The Butler, Gaiola Dourada e, mais recentemente, No Intenso Agora, documentário que lhe valeu a distinção pelo festival Cinéma du Réel. No seio da Rua de S. Paulo, perto do ascensor da Bica, Rodrigo Leão (que actuou Sábado na Ericeira, vila que faz parte da sua vida) falou com Henrique Claudino sobre o seu mais recente projecto musical, Life is Long, o seu contacto pessoal com o cinema e a sua visão intimista do que é este bicho de sete cabeças a que chamamos música.

 

Life is Long resulta de uma colaboração com Scott Matthew. O tom melancólico que flui no álbum transmite a vossa visão do mundo, da vida?

Não, quer o Scott quer eu não somos pessoas deprimidas. O que temos em comum é que ambos encontramos na melancolia qualquer coisa que nos agrada, ou seja, por vezes na melancolia não há só tristeza, há também beleza. No aspecto musical, desde a primeira colaboração que fizemos, houve logo uma sintonia muito grande entre os dois. Lembro-me, voltando muitos anos atrás, que o primeiro álbum dos 7ª Legião, A um Deus Desconhecido, também tinha uma carga melancólica muito forte. É uma coisa que tem estado sempre muito presente desde que eu comecei a tentar fazer música, no início dos anos 80.

na melancolia não há só tristeza, há também beleza

Já tinha focado o tema da melancolia no álbum Retiro. “Vai-te embora, deixa-me viver”, ouve-se. Que relação existe entre essa melancolia e a vivida neste álbum?

Não é uma ligação muito consciente, é muito intuitiva. A Ana Carolina é a minha mulher, faz letras para algumas canções que eu faço. É a primeira pessoa a quem eu mostro as ideias que vou tentando produzir e, portanto, esse tema calhou chamar-se melancolia e é o único tema cantado em português no Retiro. Mas, claro, lá está a melancolia outra vez presente.

nunca me passou pela cabeça conseguirmos fazer um trabalho tão distantes

Scott Mathew vive em Nova Iorque, o Rodrigo Leão em Lisboa. Sente que este constrangimento prejudicou ou abriu novos caminhos ao processo criativo?

Ajudou, claro que nunca me passou pela cabeça conseguirmos fazer um trabalho tão distantes, e este contexto acabou por nos dar liberdade para apresentarmos ideias um ao outro sem estarmos juntos. Acabou por ser interessante. Primeiro que tudo, não tínhamos pressão nenhuma, tínhamos muito tempo para fazer este trabalho. Tanto podia estar uns meses sem mandar nenhuma ideia como podia, num mês ou dois, mandar cinco ou seis ideias. O Scott tinha a liberdade que queria para escrever e inventar melodias sobre as minhas ideias iniciais e eu também me sentia completamente à vontade para enviar ideias muito diferentes.

 

Não foi um álbum feito com pressão…

Não, e isso foi muito bom porque muitas vezes não é fácil. Quando estamos a compor para um novo trabalho, temos o tempo que quisermos, só quando achamos que as coisas fazem sentido é que avançamos. Depois quando começamos a reunir músicos e produtores para trabalhar arranjos, aí normalmente há sempre uma pressão porque convém que o disco saia numa certa altura, então vamos tentar gravar um pouco antes para termos tempo, mas aqui não houve, de facto, isso.

Não imaginei que o Scott conhecesse o meu trabalho com os Madredeus

O Scott tinha 17 anos quando ouviu O Pastor, uma canção dos Madredeus que não largou durante um ano. Como foi esse reencontro?

Não imaginei que o Scott conhecesse o meu trabalho com os Madredeus, até porque ele, na altura, vivia na Austrália. Mas a verdade, quando lhe fiz, pela primeira vez, um convite para participar na Montanha Mágica em 2011, ele gostou da música, aceitou e depois teve a curiosidade de saber quem eu era e facilmente viu a relação com os Madredeus. Curiosamente só me disse isso uns anos mais tarde.

pelo facto de sermos autodidatas, temos um lado quase infantil nas coisas que fazemos

The Child é o tema de abertura deste último álbum. Envolve o ouvinte num ambiente maternal, como se fosse uma canção de embalar. De que forma esta canção abre as portas ao mundo que é Life is Long?

A verdade é que, quer eu quer o Scott, até pelo facto de sermos autodidatas, temos um lado quase infantil nas coisas que fazemos. Se soubéssemos escrever música, se calhar não existia esta simplicidade na música que fazemos. The Child foi um dos últimos temas que enviei para o Scott e ele acabou por escrever a ideia da letra num hotel em Lisboa e gravou-a na casa-de-banho para o seu telemóvel. Achámos que era uma boa maneira de abrir o trabalho, só com piano e voz.

 

Em Nothing’s Wrong, a certa altura ouve-se “Those days are over”: é uma alusão ao peso dos anos, à nostalgia?

São coisas muito pessoais que o Scott escreve. Muitas vezes são canções de amor, episódios relacionados com a sua vida privada, mas que ele transcreve para música. Foi uma música que teve, numa primeira fase, uma abordagem um pouco mais electrónica e esteve para entrar na Vida Secreta das Máquinas. Acho que essa é uma canção de amor e que, segundo o que o Scott diz, não é daquelas mais deprimidas.

A Vida Secreta das Máquinas foi um disco que alterou o panorama, todas as suas músicas foram gravadas num telefone encostado a diversas máquinas. Como surgiu esta ideia?

Para mim é importante inovar de alguma forma, não digo que quero fazer uma música que nunca tenha sido ouvida em lado algum, mas para mim é importante colaborar com músicos muito diferentes e, por isso, acho que a minha música tem influências que vão desde a música electrónica até à música clássica, passando pela música pop britânica, popular brasileira, francesa. Isso para mim é um estímulo. Poder conhecer músicos de áreas musicais muito diferentes. A Vida Secreta das Máquinas foi uma abordagem minha muito simples à música electrónica com gravações que fui fazendo em Goa, em fábricas em Lisboa, na rua com pessoas a trabalhar. Apresentei pela primeira vez este projeto no LisbON, no Parque Eduardo Sétimo. Não era um projeto para ter continuidade ou sequer ser gravado, mas depois dessa apresentação fiquei com a vontade de passar aquilo para disco.

 

O seu primeiro contacto com o cinema foi através de um filme do Manuel Mozos, Um Passo, Outro Passo e Depois? Que efeito produziu em si?

Foi a partir daí que eu me apercebi que, a partir de um computador, tinha um universo ilimitado à frente, podia gravar um piano, depois um violoncelo, um violino… e foi aí que eu comecei a ter mais vontade de compor em casa, com auscultadores, computador, sintetizador. Na altura foi o Paulo Abelho, meu companheiro dos Sétima Legião, que me ajudou a descobrir esse mundo. Apesar de não ser um crânio, com o mínimo, consigo arranjar um método de trabalho e gravar as ideias. A partir daí fiquei com uma vontade grande de fazer mais música para cinema. Não foram tantos os momentos como este, tirando os últimos cinco ou seis anos em que comecei a trabalhar mais em bandas-sonoras.

 

O seu método de trabalho varia consoante o sítio em que o filme é produzido ?

Não. É evidente que as condições são muito diferentes entre um filme americano que tem um maior budget e um filme português ou espanhol, mas o fundamental é a comunicação com o realizador. Havendo menos ou mais dinheiro, músicos ou tempo de estúdio, acaba por ser uma relação humana.

A música tem um papel muito importante no cinema.

A música, para muitos realizadores, é imprescindível aquando do processo criativo. Existe cinema sem música?

A música tem um papel muito importante no cinema. Lembro-me, nos anos 90, de ver os filmes do Peter Greenaway com a banda sonora do Michael Diamond e voltava para casa absolutamente fascinado e com vontade de compor. As imagens sugerem-nos sons.

Eu não sou uma pessoa muito metódica.

Como se conta uma história através de notas musicais?

Eu não sou uma pessoa muito metódica. Muitas vezes não sei o que estou à procura, ou o que vou fazer. Sei que vou estar horas a procurar ideias. É evidente que, depois, sinto que algumas são mais alegres ou melancólicas. Mas isto está directamente relacionado com a minha maneira de ser, mas também com o meio que está à minha volta, os amigos, a família, as viagens que eu faço. É sempre uma parte da inspiração que eu procuro, mas sempre muito intuitiva.

pode haver notas que me lembram alguns lugares.

Quando visita lugares ou tem experiências vêm-lhe à cabeça tons e notas musicais?

Há sentimentos e paisagens que ficam dentro de nós. Quando estou a tocar, por vezes pode haver notas que me lembram alguns lugares.

 

Que legado pretende deixar ?

Não tenho propriamente esse objectivo, nem penso se estou a deixar alguma coisa ou não. Tenho uma necessidade e um gosto muito grande de tentar produzir música e conseguir concretizar todos os meus projectos. Não sei até que ponto a minha música vai deixar algo ou não, é uma música simples, eu não sou nenhum erudito. Espero que, para algumas pessoas, a minha música faça sentido e faça parte das suas vidas, por isso fico contente quando as pessoas vêm ter comigo e dizem que ouvem os meus trabalhos e gostam da música que eu faço.