Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: DR
“Seria difícil chegar à criação do uNi sem ter uma ligação com a Ericeira”, garante o designer gráfico Paulo Reis sobre a peça artesanal que recentemente desenhou e que homenageia o emblemático molusco espinhoso do nosso litoral: o ouriço-do-mar. “A relação entre os ouriços-do-mar e a vila é muito grande e foram essas memórias que me despertaram para criar uma peça tão única e cheia de criatividade.”
Concebido a madeira e de onde sobressaem 365 picos, ou “uma história por dia”, o uNi é “um pequeno pedaço que representa Portugal na perfeição”, como descreve o autor. As réplicas da peça assinada pelo também surfista de 42 anos, e natural da Ericeira, são criadas pelo próprio de forma individual e à mão, garantia de que cada novo objecto será único. Um pouco como a sensação de picar um ouriço diferente todos os dias, uma experiência sensorial ímpar que conta a história da origem do uNi.
“Numa das matinais nas ondas da Baía dos Coxos espetei uns picos no pé”, recorda o nativo jagoz conhecido por ‘Bocha’. “Se não são logo retirados, vão cada vez mais fundo, até ao osso. Durante quase dois anos andei com os picos no pé. Noutra ocasião, a entrar no Reef, bati com a mão num ouriço e veio-me logo à cabeça toda a intensidade do pequeno espinho cravado no pé, que já estava praticamente resolvido, mas lá ia eu passar por todas aquelas sensações novamente. Uma picada intensa que perdura e que despertou este símbolo que procurava, que também fosse capaz de picar as pessoas.”
Uma picada intensa que perdura
“O meu objectivo não era só criar mais uma peça”, acrescenta. “Era também associar uma mensagem, conceber um objecto com ADN. Já tinha a experiência da intensidade e de ser um bicho local – representa a Ericeira e existem 950 espécies espalhados pelos oceanos. O ouriço tem no seu interior um ‘laboratório químico’ que produz a anandamida, um neurotransmissor capaz de acelerar a produção de dopamina, que dá a sensação de prazer e felicidade. E, claro, o bicho também tem o sabor intenso e bruto a mar com um final doce, devido à sua alimentação a algas, o que lhe confere o umami, o quinto paladar do gosto básico.”
Após um estudo em torno das virtudes do ouriço-do-mar, seguiu-se o planeamento da peça. A matéria-prima de eleição foi a madeira, “por ser um material orgânico com vida, reacções e uma composição complexa que contrasta com o frio húmido e salgado da Ericeira.” Por outro lado, a paixão artesanal de Paulo Reis pela madeira perdura há vários anos, desde que o designer está ao leme da marca Alaia Surf, que resgata o passado das primordiais pranchas de surf havaianas esculpidas a madeira – conhecidas por paulownia.
O esboço da peça foi o passo que se seguiu. “Apanhei uns ouriços para reproduzir o formato real do bicho da costa da Ericeira. Desenhei a peça em 3D e percebi que seria impossível incluir a quantidade real de pico do ouriço. Foi aí que apareceu a ideia dos 365 espinhos, símbolo de uma história para cada dia do ano. Terminada a impressão a 3D, comprei as madeiras e mãos-à-obra! O dia em que terminei o primeiro exemplar foi mágico, fiquei surpreendido [com o resultado]. Eram duas da manhã e tinha criado algo único, com sensações e emoções. Fui logo pesquisar à Internet se existia algo semelhante. Não encontrei nada. Registei a marca, a patente do design e eis que nasceu o uNi.”
‘Bocha’ cresceu junto aos areais de São Lourenço, criando laços inquebráveis com o mar e a natureza que ladeia esta encosta a norte da Ericeira. As primeiras experiências de surf foram em 1984 e desde então já deslizou no mar com pranchas de esferovite, incontáveis modelos de pranchas de bodyboard e surf de fibra, passando também pelas alaias em madeira e até portas de frigorífico, como nos conta. Durante uma década representou a vila nos campeonatos nacionais de bodyboard e teve um papel de referência na fundação do Ericeira Surf Club. Um conjunto de relações de vida que se deram na região jagoz e que tiveram uma influência inescapável no esboço do uNi.
O dia em que terminei o primeiro exemplar foi mágico
“Na Ericeira encontramos um turbilhão de sensações, umas mais antigas, outras mais modernas”, descreve. “É um pedaço de Portugal com uma história desde o tempo dos reis. Com a icónica zona balnear dos ‘senhoritos’ dos anos 60, a gastronomia, os destemidos homens do mar que são os pescadores, a arquitectura e as ondas perfeitas, a neblina matinal e uma luz singular. É um local perfeito e inspirador e talvez aqui, entre terra e o mar, as pessoas encontrem o seu equilíbrio, que as ajude a compreender melhor este mundo. Não sou nenhum artista, mas sem dúvida que a Ericeira nos dá experiências e nos desperta os sentidos.”
O uNi está disponível para aquisição em hotéis parceiros ou através do site uni.ourico.pt, com a possibilidade de acrescentar uma mensagem personalizada. Mas para Paulo Reis, cuja ocupação profissional é a de editor de arte da revista Visão, o desejo é que esta peça vá ao encontro dos bons momentos da vida. “Muitas vezes, no nosso dia-a-dia, andamos descontentes. Com o Uni, o que quero é picar as pessoas para terem mais respeito pela vida, a percebem que existem momentos positivos que nos marcam. O que faz do ouriço-do-mar único é a sua criatividade, a capacidade de regeneração fora do normal. Talvez por isso, quando pica alguém, faça questão de ir bem fundo. É uma sensação e emoção que fica connosco na memória. É por isso que o uNi é um objecto curioso e capaz de picar as pessoas.”