Uma carta aberta com resposta

 

Fotografia: Pedro Mestre

 

Na madrugada de Sábado a empresária e pioneira do Bodyboard Rita Rocha publicou no seu perfil de Facebook uma carta aberta dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra. O texto, que consiste numa reflexão crítica sobre o rumo desta vila (nomeadamente em questões fulcrais como a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento económico), já mereceu centenas de gostos e partilhas. E, entre as dezenas de comentários, recebeu resposta de quem de direito. Já hoje de madrugada, Hélder Sousa Silva (responsável máximo do executivo municipal) deu feedback ao apelo. Leia já aqui o texto integral da carta aberta escrita por Rita Rocha e a resposta do Presidente da Câmara.

 

Texto integral de Rita Rocha 

“Excelentíssimo Presidente Helder Sousa Silva da Câmara de Mafra,

Hoje escrevo-lhe como cidadã activa na nossa comunidade e como uma profunda amante da Ericeira.

Antes de mais quero expressar o meu respeito e o reconhecimento sinceros pelo seu trabalho no Concelho de Mafra. Considero-o o melhor Presidente que tivemos até ao momento presente.

A minha Família Brandão Netto Rocha, apesar de não ser originária da Ericeira, tem vida nesta terra há mais de 120 anos, passando a nossa casa de férias de geração em geração, tendo vários dos meus antepassados dado trabalho a muitas famílias desta terra, e ainda continua a fazê-lo, agora através da Joana Rocha e os seus negócios.

Apesar de não sermos “Jagozes”, temos um amor profundo a uma terra que foi outrora muito selvagem e com acessos muito complicados que demoravam horas… eu ainda me lembro de o meu Avô, o Capitão Luís Brandão Netto Rocha, que ainda muitos pescadores recordam com saudade, pois foram seus marinheiros em águas internacionais, ter de parar em Sintra para trazer àgua para beber, pois aqui na Ericeira o sabor da água era intolerável, de deixarmos as chaves na porta e no carro… de andarmos descalços por todo lado… o crescimento veio e, claro, é inevitável….

Fui uma das responsáveis pelo desenvolvimento do mercado do Surf, aqui na Ericeira, mas também a nível nacional e internacional. Nessa altura tudo era uma novidade e éramos muito poucos, considerados até fora da normalidade. Havia uma certa inocência e espontaneidade no crescimento deste mercado. A partir de uma certa altura essa inocência tornou-se um modo de vida que deu trabalho a muita gente mas também uma actividade interessada para todos os “players” deste mercado.

Abri o primeiro hostel de praia em Portugal na Ericeira há 10 anos, Blue Buda Hostel, que continua como um dos melhores hostels da Ericeira e com uma óptima referência, devido ao trabalho de Lucia Abreu Katzenstein & Miguel Gião, os actuais proprietários.

Aos 18 anos decidi mudar-me do Estoril para a Ericeira, simplesmente por amor à natureza selvagem e às nossas ondas, como praticante da modalidade de Bodyboard na altura. Como eu, já antes uns poucos tinham feito o mesmo…e depois começaram outros… até chegarmos a Reserva Mundial de Surf e estarmos completamente inundados de turistas e pessoas a morarem anualmente.

Para a maioria dos Surfistas que começaram a viver na Ericeira há mais de 25 anos, como Miguel Fortes, Nick Uricchio, Miguel Katzenstein, Paulo Martins, Tiago Oliveira, Pedro Moreira Rato, Marta Gato, Maria Marques… a decisão foi feita com base no amor ao Surf, às ondas, à natureza, a um modo de vida que segue o ritmo da natureza… que respeita a natureza, que vive da natureza…

Inumero estes nomes e a minha família para frisar que muitos nós chegámos aqui apenas por um profundo gosto a esta terra.

Somos considerados Reserva Mundial de Surf, o que é um título muito honroso e merecido devido à qualidade excepcional das ondas da Ericeira. Há pouco tempo foi inaugurada uma estátua com o nome de “Guardião”, nome dado pelo meu querido amigo Pedro Moreira Rato, com o intuito de apelar ao Guardião que há em todos nós.

Guardiões do quê? Com que intuito?

Todas as manhãs passo a pé por essa estátua e as perguntas surgem-me.

Olho para a minha Vila e vejo-a despida de àrvores, de parques naturais… que se possam prolongar no tempo para que os nossos netos possam brincar… cada vez temos mais construção… sei que o progresso e o crescimento tem de vir… mas sustentado, respeitando o porquê desta reserva mundial existir, as ondas e a sua natureza evolvente.

A Associação Amigos dos Coxos conseguiu parar o possível crescimento de infra-estruturas na “nossa baía mágica, sagrada” onde não se permite fazer campeonatos, conseguiram que o parque dos carros fosse movido em alguns metros para trás, de forma a que a falésia ficasse preservada… quem lá chega só vê uma baia de rochas e uma onda perfeita a rolar… e temos todos que sentar-nos na terra, nas pedras… Esta foi uma grande vitória, deixar intacta à mão do homem… este é o caso em que se diz: “LESS IS MORE”. E espero que continue assim, para que os nossos filhos e netos ainda possam ter sítios virgens e selvagens para dar passeios, sentarem-se em paz e apreciarem a calma da natureza selvagem.

São poucos os locais agora que podemos realmente dizer que ainda estão virgens.

Uma vez que muitos locais foram urbanizados venho chamar a atenção e pedir todo o cuidado para uma àrea especial:

A área da Pedra Branca (linguagem surfistica – Praia da Empa originalmente), à frente do Parque de Campismo, neste local existia um lindo e grande pinhal, que foi destruído para servir de estaleiro da construção do tão necessário pontão. Mas desde então que nunca mais nada se fez para que essa área fosse reflorestada.

Pedro Moreira Rato entregou um projecto de reflorestamento para essa área, um projecto que contempla o mínimo de construção e um necessário óptimo de reflorestação.

Venho nesta carta aberta pedir à Presidência da Câmara de Mafra para voltarem a considerar esse projecto que tem o minimo de impacto humano na área, tal como a Baia do Coxos, para que um dia os nossos filhos e netos possam ter mais áreas virgens, selvagens, naturais.

Se pensarmos em termos turísticos e todo o mercado económico que envolve, precisamos de mais pinhais, mais árvores na nossa terra, mais zonas selvagens, estamos a ficar descapitalizados ao nível do espaço verde.

Há que reabilitar esses espaços verdes, com o prejuízo de um dia quase não vermos esses espaços.

Venho por este meio pedir, chamar a atenção a todos os “players” do mercado do Surf, incluindo todas as grandes marcas, lojas de surf, hostels , restaurantes… etc, para que esta situação deve e tem de ser uma prioridade nas vossas intenções comerciais e objectivos enquanto membros de uma comunidade que cresceu a partir da Natureza e pela Natureza.

Devemos e temos de nos lembrar rapidamente que nós, os humanos, pertencemos à terra… e não o oposto… ela não nos pertence… somos passageiros de vidas neste planeta, nesta terra, na Ericeira, que neste momento necessita que possamos devolver aquilo que temos usado, de uma forma sustentável e consciente.

MC
Rita Henriques Rocha.
Satya Rita Rocha”

 

Resposta, em comentário ao post, de Hélder Sousa Silva, Presidente da CMMafra

“Rita Rocha, li com todo o cuidado a sua missiva, que muito agradeço e com a qual me identifico. Como bem sabe, o processo de Reserva foi, é e será um processo que para além de sensibilizar todos os que fruem desta magnifica zona do nosso território, visa em ultima análise a preservação das ondas e da orla costeira. Estive na primeira linha desse processo com grandes Senhores e Senhoras do Surf da Ericeira, que não vou nomear, pois corro o risco de deixar muitos de fora. Agora já demos mais um grande passo com o Conselho Consultivo da Reserva (único no mundo e que está a trabalhar). Depois de muito esforço, consegui adquirir para o domínio municipal todo o terreno entre a EN 247 e a Pedra Branca, que era de um promotor imobiliário e que foi adquirido para construir um parque verde de fruição e lazer. Estamos a começar a desenvolver o projecto. Penso que a sua concretização será exemplar e partilhada. O Guardião representa cada um de nós (a guardiã Rita Rocha com este post deu uma excelente ajuda)! Bem-haja e um beijo para toda a familia.”