A Ericeira pelos Olhos de: Maria Piteira

 

Fotografia: DR

 

Bilhete de Identidade

Maria Odília do Nascimento Sá Piteira (‘Dila Sá’ para os sô’primos)

Nascida na Ericeira a 4 de Abril de 1956 (64 anos)

Professora

A Ericeira é uma paixão permanente

Com a sua amiga Alice Vieira, reputada escritora e amante da Ericeira.

A Ericeira é uma paixão permanente, arrebatadora, quase inexplicável… a Ericeira vive-se, sente-se, absorve-se, respira-se. Parafraseando a escritora Alice Vieira, ‘’A Ericeira é a minha pátria.’’

 

O que mais ama na Ericeira?

Gosto do mundo do Surf; dos turistas que enchem os nossos bares, os nossos restaurantes, cafés e afins… do comércio a fervilhar; das gentes, simplesmente, a passear; da calma do Inverno e do burburinho do Verão; da simbiose entre a modernidade e o tradicional; da magia e de quem nesta terra para escrever se inspira e outras formas de arte cria. Gosto de chegar, depois de um dia longo de trabalho, e este mar único abraçar… como se fosse a primeira vez. Gosto de quem da Ericeira cuida e preserva. E, sem me querer alongar… GOSTO tanto desta minha ERICEIRA!

esta terra perderia parte da sua alma se perdesse os homens do mar

E aquilo de que menos gosta e mais a preocupa no presente e para o futuro da Ericeira?

Preocupa-me pela praia dos Pescadores passar e ver o estado do porto de pesca, pois esta terra perderia parte da sua alma se perdesse os homens do mar… Reporto-me há décadas e a como tudo começou, ainda nada acabou e piorou… Quando a ‘Etermar’ as obras no porto começou não quis ouvir as vozes e a sapiência de quem o mar, como ninguém, conhece e, ano após ano, as ditas ‘obras de melhoramento’ só obstáculos foram criando a quem da faina da pesca vive e a areia foi invadindo o mar e trazendo mais perigos e dificuldades. Assim, mais remendos se foi fazendo e o resultado é o que todos nós, tristemente, observamos. Preocupa-me o esbanjamento de tempo perdido e os recursos sem resultados utilizados. Outra preocupação é a falta de livrarias. As que existiram desapareceram. O livro não ser uma prioridade… o analfabetismo de outrora a dar lugar à iliteracia. Preocupam-me grupos de delinquentes que a Ericeira andam a vandalizar. Não gosto nada de andar a calcorrear ruas e ruelas desta terra tão pitoresca e que tanto amo e dar comigo a parar e a ‘contemplar’ edifícios tão estranhos, tão fora do contexto, onde a harmonia, a beleza e o verde são miragens bem longínquas e, sem ser arquitecta, outros edifícios ali imaginar.

Ser Jagoza é chegar a casa e ter uma janela que não se cansa do horizonte contemplar

O que é ser Jagoza?

Ser Jagoza é ter o privilégio imenso de na Ericeira nascer e de as minhas raízes, profundamente, nesta terra bem cultivadas ter. E contando um pouco da minha história de vida… No quarto de um primeiro andar de uma bonita e alegre casinha, com janelas sobre o mar debruçadas, foi onde a minha vida começou… A parteira tia Deolinda a vir ao mundo me ajudou e o meu primeiro choro o mar testemunhou. Este mar, sempre tão presente na minha vida, a crescer me ajudou e só dele me afastei, ainda bem menina, para os meus estudos prosseguir, mas logo voltei… Escolhi, na casa de uma rua bem pacata morar e ter por vizinho o imenso mar, ouvir as suas ondas sobre as rochas a quebrar e pela sua versatilidade me apaixonei… Ser Jagoza é chegar a casa e ter uma janela que não se cansa do horizonte contemplar e perder-se nos azuis do céu e do mar, nos cheiros da maresia, na frescura revigorante e na musicalidade do marulhar e a sua quietude e força observar. Ser jazoza é divagar, pensar em poesia e na magia que esta terra me está sempre a dar e a pôr-me numa espécie de versejar sem pensar… Independentemente da origem e do significado da palavra ‘’Jagoz’’e de a mesma poder não ser consensual, cada Jagoz tem a sua própria definição em função das suas vivências, mas em que está, permanentemente, presente o amor indefinível e indescritível à sua Ericeira. Para mim, a mais verosímil tem origem nos Fenícios quando por cá aportaram e por cá habitantes encontraram muito abertos e hospitaleiros, o que faz todo o sentido, dado ser uma característica de quem junto do mar vive e sempre com outras gentes a contactar está. Habitantes esses bem diferentes dos restantes da denominada região saloia, da Ericeira tão perto (com todo o respeito pelos saloios, a minha mãe é uma saloia ‘ajagozada’ e, como ela refere: «Vim da Freiria para cá, a banhos, e na casa da minha tia Andorinha me fui ‘hospedar’. Por cá fiquei e me apaixonei por um Jagoz, também ele homem convicto do mar»… o meu querido paizinho), e resta acrescentar a valentia e a liberdade tão característica das gentes do mar…

 

Considera-se Jagoza?

Jagoza eu sou, convictamente, até morrer!